sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Chuva.

"Your will changes everyday
It's a choice you gotta make
I can't help you if I want to..."





O Ar parecia ensaboado naquela tarde. O som da sua tosse parecia ecoar no apartamento vazio. Ele parecia ainda maior, e mais vazio agora.
Lá fora, o céu escoava aos poucos, com pequenas gotas de uma chuva fina e fria. O gosto do omelete ainda estava em sua boca, teve preguiça de substituí-lo pelo sabor de menta.

Teve preguiça, teve pesar.
E ela, então, se arrependeu de tudo. Se arrependeu por se arrepender. Sentiu um aperto no coração, que a muito não sentia.

Teve preguiça, teve pesar, teve saudade.
Saudade de quem havia saído há pouco, saudade de quem havia ficado na véspera. Saudade de quem não via a dois dias, saudade de quem iria ver dai a pouco. Saudade de quem nunca viu, mas sabe que verá um dia. Saudade de quem só latia saudades de quem só nadava. Saudade de andar de carro para buscar pizza  ao som de Red Hot, saudade dos LP's que tocavam durante a limpeza da cozinha. Saudade de trocar figurinhas no recreio, saudade de ler os contos do filho. Saudade de receber ligações chateadas dos pais, por passar da hora de atravessar o quarteirão. Saudade das pamonhas de jiló, do cheiro de roseiras floridas. Saudade dos conselhos da mestre de trigonometria, das datas do quadro de física. Saudade de gostar, e esperar reciprocidade. Saudade do cheiro de protetor solar com areia, saudade do vento salgado que soprava quando ela se levantava. Saudade de falar horas ao telefone, de escrever cartas carinhosas aos amigos. Saudade do colo que se deitava sempre que tinha febre. Saudade de tomar leite com chocolate na época do natal, deitada de pijama no sofá, conversando com quem estava na sala.  Saudade de sorrir sem medo de não sorrir novamente.

Teve saudades também do que nunca foi, do que nunca viveu.

E o tempo passava devagar, mas parecia correr.


"It's a breeze everlasting like time
Making so sure that
I can return just to see it from your side again..."



Teve preguiça, teve pesar, teve saudades, teve medo.

Não sabia descrever o medo, ele parecia um quarto escuro com a porta trancada. Não sabia o que havia lá dentro, mas sabia o que não havia. Lá, certamente, não estava tudo aquilo que ela sentiu saudade, não estava os sorrisos sem medo. Mas ele, de repente, mudou sua aparência.

Antes, era um medo aterrorizante, algo que a cegava e a fazia perder sua razão. Mas agora...
Parecia um medo ensaboado. Parecia o medo que se sente de perder os pais, mas não era só isso. Era o medo de perder os pais, com o medo de se perder no meio da multidão. 
Parecia com o medo que se sente quando se perde dos pais na multidão.


"It's a sea ever churning in tides
In the sureness of time
And our words just repeat now forever again..."


Parecia que iria cair novamente, que iria ver o quarto branco novamente. 
E reviu toda a cena.... Todas as cenas.
Entrando no avião. Sentada no carpete bege. Sentada no banco azul. Sentada na sala desconhecida. Descendo da bicicleta. Descendo a arquibancada. Perguntando aonde eles iriam. Dando comida. Carregando a caixa branca e ornamentada. Ouvindo os trovões. Olhando para o berço. Segurando a mão trêmula ao lado dentro da viatura. Caminhando sozinha.

Caminhando sozinha, foi quando sentiu mais medo. Porque é o que mais acontece com ela... Caminhar sozinha.


"Well this might take a while to figure out now
So don't you rush it
And hold your head up high right through the doubt now
'Cause it's just a matter of time..."



Teve preguiça, teve pesar, teve saudade, teve medo, teve solidão.

Uma das pessoas mais importantes para ela disse algo sem pensar. Foi uma opinião sincera, um sentimento honesto. Não foi com intenção de magoar, não foi com intenção alguma. Mas foi como um balde de gelo inesperado virando sobre sua cabeça. Viu que sua vida toda, caminhou sozinha na maior parte do tempo. Viu que poderia ser assim sempre, e que isso não iria afetá-la. Ela não deixaria.



"You've been running so fast
It's the seven day mile
Has you torn in-between here and running away
Running away...."



Mas um telefonema a acordou, e devolveu a cor ao dia cinzento.


Era sua sobrinha, lembrando a ela que sempre há uma surpresa boa detrás das portas fechadas.
Voltou a sorrir sem medo, sem querer pensar se faria isso novamente.

Um comentário:

  1. Com tanta saudade no meio do texto meio embaçado pra mim, acho que devo ter minha parcela ali. Mas espero não ter perdido nenhum detalhe...Até qualquer conexão de rotina...!

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