domingo, 27 de julho de 2014

Depois a gente vê (por mmerteuil)

"Pediram-lhe palavras. Há algum tempo já, ela só tem usado as roubadas, de poemas e canções. Debruça-se sobre as palavras alheias, que a traduzem tão bem que ela se comove de se ver ali, desnuda e descrita. Sempre achou que empunhava as palavras tão magistralmente e hoje elas lhe faltam. Ou sobram. Nunca na medida. Como o que ela sente, também tão desmedido. Tão desafiador, desestruturador de tudo o que ela sempre pensou ser, que viveu até aqui, que acreditou.
 Ele faz doerem nela dores que ela nem sabia que existiam. E a faz gozar prazeres de que  tampouco desconfiava. Perfurantes. Ele confronta suas teorias sobre amor e liberdade, testa seus limites, grava no seu corpo e na sua memória as sensações mais extasiantes, enquanto crava nela o ferrão da dúvida, os dentes do ciúme, as unhas da inquietação. Fugidio, esquivo, tantalizante. Ela? Experimenta, permite-se, tenta, testa. Alonga. Paga pra ver.
 Já partiu, já voltou, chora muito, ri outro tanto, pensa demais. Tudo demais. Cores, dores, luzes, faltas, explosões, desejos. Esperas. Essa coisa de pensar sobre o tempo. Muito cedo, tarde demais, intervalos, ocasiões, agora, nunca, sempre, velocidade, duração, logo, quando, tempos paralelos, tempos comprimidos, tempo. E espaços. Frestas. Onde. Como.
 …..
Os olhos escuros que ficam quase cor de âmbar no amor.  Ela poderia ir morar naqueles olhos para sempre. Reduzida à carne sob as unhas, escondida nos sulcos da pele, no meio dos pelos, entranhada no suor dele, no sêmen, no gosto doce e úmido da boca.
 …..
Uma coisa é saber da falta e da angústia, mas viver todo o tempo diante da face crua dessa falta, na ausência de ar e no espanto desse buraco que nos constitui, também pode ser sintoma. Por isso, a gente cria uns véus, lança umas rendas diáfanas diante da realidade, usa uns filtros no enquadramento, para adoçar arestas, permitir caminhos.
 Entretanto. O caminho que ela percorre é escuro, instável. A cada passo, a incerteza. Cair no vazio ou criar, no próprio ato do passo, outro pedaço da estrada? Estrada que ela nem sabe se existe, ou onde vai dar. Claro que não existe. Nenhuma estrada existe a priori. Mas a gente às vezes inventa, projeta, imagina – lança os tais véus – e isso é muito reconfortante. Fazer planos, sonhar, construir futuros. Ainda que só de brincadeira, ainda que sabendo da ilusão. Adora um amor inventado.
Por um tempo viveu um amor assim, que prometia ser absoluto, completo. Foi tão bom acreditar. E tão sufocante manter. Hoje, experimenta a exacerbação da transitoriedade. De um lado, a ilusão de completude, da entrega que cobra, impiedosa, o preço da liberdade; de outro, o desconforto da impermanência, permanentemente desfraldada diante de si como um desamparo. No meio, ela. Um tanto atordoada. Que já não sabe o que deseja. Ou sabe só o que deseja, sem lógica ou juízo. O corpo dele no seu, as mãos, a boca, as pernas, os olhos. Os olhos dele nos seus, o fogo, o riso, a dor, a promessa muda e incompleta. Só hoje, só mais um dia, só até o próximo encontro. Depois a gente vê o que faz."



Por mmerteuil, em Biscate Social Club.
(Acesso em http://biscatesocialclub.com.br/2014/07/depois-gente-ve/)

sábado, 26 de julho de 2014

Lose is more than hesitate...

(...)
E então, percebi que eu, de fato, gosto de me machucar.
Sim, há algo aqui dentro que precisa punir-se, que clama por dores, um impulso que tende eternamente à autoflagelação. Existe uma parte minha que não se contenta com a anestesia, que precisa sentir.

E você percebeu isso, não foi?
Seus olhos não conseguiram esconder a surpresa ao notar o que eu realmente sou por dentro. Você me desvendou, removeu a capa de boa moça. Foi além do sorriso acalentador, do olhar compreensivo. Percebeu o que esconde a voz macia, a personalidade equilibrada.
Mas você não sabia o que estava vendo, o que tinha em mãos.
Se você quisesse, poderia ter visto, em minutos, a desordem que eu sou. Teria compreendido porquê eu sempre aviso que sou "difícil de lidar". Teria se surpreendido mais algumas dezenas de vezes.

Acontece que é exatamente este o meu ponto fraco. Me inquieta quando alguém tenta desatar o nó que eu sou. Como se só eu tivesse esse direito, mas admirasse aquele que o quisesse tomar de mim.
Existe uma blindagem forte ao redor das minhas confusões mentais. Mas aquele que é corajoso ou sortudo (ou ambos) o suficiente para vencê-la, me tem nas mãos.
Geralmente, eu sento e observo o que as pessoas fazem para conseguir isso. Aplaudo as manobras, avalio as investidas. Às vezes, facilito; na maior parte do tempo, dificulto.

Mas aí veio você. Chegou simplesmente para passar o tempo. Apareceu como mera distração - e sei que a recíproca era verdadeira. Logo você, cuja porta já estava fechada antes mesmo que eu pudesse fazer alguma coisa.
Mas foi justamente sua porta fechada, seu despreendimento, que te fez materializar-se do lado de dentro da minha blindagem. Sem esforços. Sem tentativas. Você simplesmente estava lá. Eu não vi o que aconteceu, embora saiba que você não o fez de propósito. Ou fez?

Estou confusa, já não sei o que pensar. Não estou apaixonada, envolvida. Estou impressionada.
É uma sensação nova para mim.
Você foi uma pessoa nova para mim, totalmente diferente de tudo o que eu já vivi.
Na verdade, eu ainda não sei o que é você. E isso só aumenta minha inquietação. Você está ali, comigo em suas mãos, e não sabe. Enquanto eu não faço ideia do que você é.
Você tem alguma noção do que isso significa para uma menina mimada, controladora e reclusa dentro de si? Você sabe o que é querer (e sempre ter) tudo, estar acostumado a controlar aquilo que está ao redor, e de repente, se ver nas mãos de alguém que não tinha a menor pretensão que isso acontecesse?
Sabe como eu me sinto?

Excitada. Curiosa. Intrigada.
Eu quero mais.