sábado, 14 de dezembro de 2013

There's no way out of this hell.

Fantasmas.

A vida tem dessas surpresas às vezes. Você acorda, imagina que será mais um dia normal, dentro dos padrões da sua maçante rotina. Passam-se algumas horas, e percebe que o dia nada terá de normal: você recebeu visitas.

Ah, mas não pense que são aquelas visitas alegres e descontraídas. Não são seus parentes que vieram para o almoço, nem o técnico da internet. Hoje, quem te visitam são seus fantasmas. Mais uma vez, eles se aproveitam do momento de solidão física, justo quando não há mais ninguém em casa.
Hoje eles vieram, retornaram com saudade. E estão ávidos para relembrar os velhos tempos - dos quais você não sente falta alguma.
E, assim como você se deixa levar pela riso e a alegria de visitas bem intencionadas, estes fantasmas te recolocam com facilidade em uma sensação muito bem conhecida: o desespero.


Eu imaginava que estivesse livre, ao menos destes. E me surpreendi ao perceber o quanto meu corpo havia se desacostumado... Arrepios, tremores que nada tem a ver com a temperatura. E como se fizesse algum sentido, mãos geladas, úmidas. A cabeça aos giros, as narinas obstruídas.

Ah, como seria menos incômodo se eles ao menos soubessem ser educados... Mas não, eles gritam. Gritam coisas nos meus ouvidos, coisas obscenas e depreciativas. E, não contentes, me forçam a rever aquele mesmo filme que vejo há mais de 13 anos - agora com novas cenas, acrescidas para aumentar a duração da tortura.

Não há lugar aonde eles não te encontrem. Não há férias ou feriados. Não há agendamentos, nem previsões. Não há atrasos ou pausas. Eles voltam, sem avisar. E não fazem questão de serem breves em sua visita.

E não há a quem recorrer, uma vez que eles não deixam rastros visíveis. Como lutar contra aquilo que não se vê, ou que não se percebe com nenhum dos sentidos? Como esperar alguma ajuda, se não há como descrever o que se precisa?
(É claro, considerando que alguém se interesse em ajudar.)

Como eu ainda não sucumbi? Ah, não sei bem. às vezes, eu fujo para o inconsciente. Confio que ele vá me proteger. Durmo, com a certeza de que nos sonhos nada vai me machucar de verdade. Às vezes, recorro aos prazeres mundanos, tentando ignorar meus visitantes: comida, consumo, conversa. Em outras situações, recorro à ciência: alguns estímulos são mais rápidos ou intensos - o tato contido no abraço, o calor de um banho, a dor de uma agulhada, o conforto sonolento de um antidepressivo.


Mas no final, são todas fugas. E como eu disse, eles te encontram sempre. É aquele velho ditado: "Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come". Eles te punem ainda mais rigorosamente se você resistir. E quando finalmente se vão, deixam sinais intensos de sua visita, e apenas uma certeza:

"Voltaremos em breve."

quinta-feira, 25 de julho de 2013

6.

Tocava blues bem baixinho no quarto. Lá fora, frio e vento. Aqui dentro - dentro de mim - havia uma calma morna, uma paz aconchegante.

Você estava aqui, ao meu lado. Era o que bastava para que tudo se aquietasse, para que minha mente interrompesse o processo criativo-pessimista em que esteve nos últimos dias. Era tudo o que eu precisava para deixar as coisas no eixo, voltar ao meu estado natural.
Ali, olhando para você, eu me sentia completa.

Então, todas as perspetivas de futuro que um dia eu já tive naufragaram naquela sensação de plenitude. Você veio, me mostrando novas possibilidades, outras opções. Veio para me provar que eu posso sim ser feliz, apesar de tudo.

E em algum lugar entre meu sono REM e o calor da cama, eu flutuava na certeza de que era aquilo que eu sempre quis pra mim, mas nunca pude acreditar que esse dia chegaria. Estava eu ali, resoluta de que era apenas mais um sonho lúcido. Mas sua pele, seu perfume, sua mão no meu rosto, seus pés enroscados nos meus... Tudo indicava que era real.
Era verdade, você estava ali. Por mim.

Não posso dizer que dormi bem. Por várias vezes acordei, pra ver se você estava descoberto, para ter certeza de que não estava te empurrando pra fora da cama. Pra convencer meu cérebro de que você estava ali. Mas acordaria por mais cem vezes se preciso fosse, desde que tudo estivesse bom pra você.

Mas tudo passou. As horas voaram. Como sempre, o tempo teima em arrastar enquanto eu te espero, e simplesmente corre quando você está aqui. E, mais cedo do que eu esperava, me deparei com a imensidão de cama e cobertas, tudo vazio, grande demais só pra mim. E o quarto parecia mais frio agora...
E, como sempre, tive que sufocar a minha vontade de que você não saísse dos meus braços porta afora.
Mas você prometeu...

"Não sai nunca daqui, fica comigo pra sempre."

quarta-feira, 3 de julho de 2013

E agora?

Eu olho no espelho, e custo me reconhecer.
Meus olhos estão escuros, meus cabelos ressecados. Meu rosto é só espinhas, meu corpo é só estrias.
Estrias e dores, dores de músculos que não aguentam mais a tensão, o peso que precisam carregar.
Minha postura já não é ereta, meus ombros estão caídos, minhas costas curvas. Meus olhos apontam pra baixo, minha cabeça pesa mais a cada dia.
Eu caminho como quem não quer caminhar, como quem precisa carregar um peso que ninguém vê. O peso da derrota, da tristeza, da vergonha.
Minhas roupas estão quase sempre amarrotadas, destoadas, deslocadas. Já não me arrumo mais, já não quero mais.

Eu olho no espelho, e recuso a me conhecer.
O que foi feito daquele olhar forte e destemido, daquele sorriso leve e determinado? Aonde foram parar a graça e a destreza, a lógica e a velocidade que caracterizavam meus pensamentos? O que aconteceu com a vontade, com a garra, com a alegria de viver cada minuto?

Eu fecho meus olhos, não quero mais ver. Mas o espelho ainda está ali, por mais que eu relute a aceitar.
Daí eu sinto. Sinto meu corpo pesado, desequilibrado. Sinto minha cabeça zunir e doer, girar e pifar. Sinto meus braços dormentes, minhas pernas sem força. Sinto tremores, calafrios. Meus órgãos não funcionam mais - meu pulmão não capta oxigênio, meus rins dormiram, meu estômago se revira com facilidade. Meu coração quase fibrila. E meu cérebro...
Ah, este é o que mais sofre.

Eu abro os olhos, tentando fugir do que encontrei aqui dentro.
Então percebo que tudo se embaça, nada mais faz sentido. Nada mais justifica estar aqui, nada mais parece capaz de mudar tudo - nem eu mesma.

Então, desesperada, eu olho para cima, para a janela.
E me pergunto:

"E agora?"

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Da Paola dos 13, para a Paola do futuro.

Era um 2006 um tanto tumultuado. Um dos melhores anos da minha vida. Finalmente eu me sentia parte integrante de alguma coisa, estava na escola dos meus sonhos, tinha amigos, me orgulhava das minhas notas.

Então, fiz 13 anos. Ali, naquela semana, alguma coisa mexeu comigo, algo me ocorreu, e eu percebi para o que tinha nascido. Da mesma forma, infelizmente, percebi o que o mundo era, e o que ele poderia fazer comigo.

Assim, com medo do que eu podia me tornar, me escrevi uma carta. A única que eu escreveria diretamente para mim. Usei as palavras que eu sabia que funcionariam - porque, acontecesse o que fosse, a minha essência não mudaria, mesmo que todo o resto fosse diferente.

Em uma explosão de maturidade permeada pelos resquícios de uma esperança infantil, eu disse:

"Quando você ler isso, já terá um emprego, uma renda, e quem sabe uma família. Jamais se esqueça de seu brilhante passado: seus estudos, seus amigos, seus presentes, sua família que te ama (apesar de tudo). Nunca se esqueça: você teve casa, comida, roupas, estudo, cultura, lazer, saúde, opções...
Mas tem pessoas que não tiveram isso. Mesmo assim, elas agradecem aos céus por simplesmente viver. Parece estranho, mas agradecem.
Não sei se você lembra, mas uma vez, sua mãe contou uma história muito triste sobre um morador de rua, que não tinha nada, estava tremendo de frio e com muita fome, pegando mangas na rua, desesperado. Nesse dia, você ficou horas chorando por ele, e por todos os que não tinham o que comer, como se proteger da chuva, do frio, e das pessoas cruéis. Então, você prometeu que assim que tivesse condições, ajudaria todas as pessoas que pudesse, com roupas, comida, casa, escola, e tudo o que fosse preciso.

E por isso que eu escrevi essa carta. Quero te pedir que cumpra sua promessa e saia por aí ajudando as pessoas, mas você não pode esquecer que isso tem que ser de coração.

Faça isso por eles. E se você não conseguir sozinha, chame outras pessoas que gostam de ajudar. Juntos vocês conseguem.

Espero que você nunca se esqueça da sua promessa, nem das suas origens. E nem do que você foi um dia.


Eu sei que você lembra. Busque na memória, você verá.
Goiânia, 17 de outubro de 2006"



Tudo o que posso dizer, é que eu nunca me esqueci de quem eu fui, e que cumpri a promessa. E vou continuar cumprindo todos os dias, até o último.
Mas agradeço a mim mesma por me lembrar que, embora todos esses anos tenham sido obscuros, houveram momentos belos como esse.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

So, live and let die.

Havia uma grande expectativa em torno daquela segunda feira. Dez dias de preparação, esquemas de segurança e trânsito montados especialmente para o evento.

da minha parte não posso dizer o mesmo. Não fiz "esquenta", não me ative a locais e horários. Não ouvi músicas, não decorei letras - muitas eu sabia de cor. Não me preparei fisicamente, e muito menos mentalmente. Mas por quê?

Há cerca de seis meses, minha vida tem passado por uma fase intensa de marasmo e questionamentos. Esse conjunto, que muitos podem avaliar como algo desejável, perturbou minha mente de uma forma tão profunda, que me levou a ser algo que eu nunca fui, algo que eu nunca quis ser.
Fui forçada a conhecer partes de mim que eu ignorava e/ou temia, fui levada próximo ao limite da minha razão. Meu corpo já não queria mais abrigar meus pensamentos. Eles, por sua vez, eram insatisfeitos com o organismo que os mantinha, mas agora se revoltava tão violentamente.

Eis que, em algum momento, alguém me disse que eu precisava de um recomeço, uma vida nova.
"Esqueça seu passado, seus traumas. Deixe para trás seus dias gastos na escola, nas bibliotecas, na faculdade. Abandone os sentimentos de remorso, arrependimento, raiva e autopunição. Deixe para trás aquela vida vermelha-e-cinza, recomece do branco, pinte um caminho mais colorido."

Mas faltava aquele impulso, aquele momento que marca "o primeiro dia do resto da minha vida".

Me arrependi de não me preparar fisicamente: haviam dores por todos os lados de mim em determinado momento.

Mas alguma coisa aconteceu naquela segunda feira. Eu sabia que algo aconteceria. Não só comigo - mas com todas as 45 mil pessoas que estavam ali ao meu lado. Com luzes, sons e significados, minha noite foi marcada por algo que nem mesmo todo o dicionário poderia explicar.

Ali, eu entendi: Não é possível se preparar para tal momento, ele simplesmente acontece. Não é preciso, pois nem todo texto precisa ser recomeçado após apagar todas as palavras.
Ali eu recomeçava.



"Blackbird singing in the dead of night,
Take these broken wings and learn to fly.
All your life,
You were only waiting for this moment to arise.

Blackbird singing in the dead of night,
Take these sunken eyes and learn to see.
All your life,
You were only waiting for the moment to be free.

Black bird fly, black bird fly
Into the light of the dark black night..."

sábado, 23 de março de 2013

Just another gaolbird.

Eu acho que estou, finalmente, enlouquecendo.


Depois de tanto lutar, alcancei. Após tantos suspiros diários, consegui.
Eram suspiros variados - de cansaço, de tristeza, de alívio, de solidão, e até aqueles sonhadores que damos quando almejamos algo.
Hoje, tenho aquele papel pelo qual batalhei tanto tempo.

Mas depois de toda a emoção, a realidade me atingiu forte e impetuosa, me derrubando no chão, me fazendo rolar e rastejar sobre o cascalho duro das minhas próprias opiniões.
E o que mais é estranho: a realidade que me atingiu foi aquela que existia dentro da minha mente, não aquela do mundo lá fora.

Que realidade é esta, que foi capaz de me arrasar tão profundamente?

De repente, eu percebi que era exatamente aquilo que eu mais abominava: Inútil.
Desde os dois anos de idade, eu sempre estive ativa. Sempre alerta, ocupada, preocupada. Estudando, estagiando, ajudando, conversando, sendo, fazendo... Nunca desligava.
Não nego: meu corpo sofreu, minha mente também. Mas passados os sustos, aparentemente criei resistência - e  percebi que era esse o futuro que eu queria pra mim.

Nunca, em todo esse tempo, eu me vi inerte. A simples menção do ócio me dava calafrios. Por fora, dizia a todos que queria um descanso. Por dentro, implorava por mais ação.


E hoje, de mãos e pés atadas, olho para trás, e a única coisa que consigo sentir é inveja do meu passado.

Quando olho ao redor, não vejo nada que esteja fora do lugar - tudo parece exercer exatamente a função para qual foi adquirido. Tudo, exceto quem olha.

O ser humano não existe para nada. Eu não fui feita para nada.
E assim como um leão enjaulado, Estou eu: frágil, monitorada, manipulável, errada.
Não existe mais projeto que me anime, pouco consegue me tirar da cama. Pessoas, lugares, sabores, cores... Tudo parece sem sentido e desnecessário, distante. e mesmo que alguma vontade ainda exista, não há força suficiente para saciá-la, e ela acaba desaparecendo, vencida pela opacidade cinza da "subexistência" em que me perdi.

E assim fica a leoa, antes brava e imponente, agora tão fácil de ferir, tão prestes a se perder no labirinto de seus traumas e paranoias.

Simplesmente não aguento mais um segundo - imaginem só o que pode acontecer em três meses.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Faster than the speed of magic.

Rápido como um relâmpago, intenso como um trovão. Devastador como um ciclone, forte como um vendaval. Mas claro e brilhante como a luz do sol nascente.

E foi assim, como um piscar de olhos. Você surgiu, quase caído do céu, e consolidou tudo aquilo que eu moldei, que eu aprendi. Você me mostrou o caminho que eu já havia mapeado, mas não tinha coragem de seguir.
E sem pedir nada, me deu tudo.

Pouco de material tive de você até agora. E, honestamente, é a última coisa que eu espero ter. Afinal de contas, nada palpável poderá representar o todo abstrato que compartilhamos em tão pouco tempo.

Tempo. Ah, esta entidade tão cruel e relativa, incógnita e definitiva...
E eu diria que, ao seu lado, nem todo o tempo do mundo seria suficiente para mim - já que três eras inteiras passariam como um curta-metragem em sua presença.
Presença essa que se faz constante e necessária, quase vital.

 "The day after you stole my heart, everythimg I touch told me it would be better shared with you."

Enquanto alguém diz isso através dos fones de ouvido, minha mente parece voar através dos momentos que dividimos e somamos. Momentos tão sublimes, que poderiam ser etéreos, se não fossem tão materiais.

E neste misto, entre o real e o astral, ficam as memórias que faço questão de guardar.

O gosto do barbecue, o vidro molhado e embaçado; o barulho do chuveiro, o suor escorrendo pelo meu pescoço; O calor das suas mãos sobre minhas costas, a textura da sua pele sob meus dedos;
O seu cheiro misturado ao meu na minha camisa, seus olhos fechados enquanto eu passo a mão pelo seu cabelo; seus suspiros enquanto eu deslizo pelo teu pescoço, seu abraço protetor; seu olhar de apreço, suas piadas infames.

Você abrindo a porta para mim, como quem me introduz a um novo caminho; você reparando minha maquiagem e meu esmalte, como quem zela por cada centímetro meu; você apertando o abraço, como se quisesse que sejamos um só; você me fazendo rir, querendo apenas meu bem estar; você me ouvindo, como quem se importa com o que eu digo.

E acima de tudo, seu sorriso, sua voz... Você.

Você, e todas as sensações que provoca. Desde o mais libidinoso dos arrepios, à mais pura admiração. Desde o vício mais perverso de te ver, ao mais incondicional dos sentimentos.


Você, que surgiu do nada, materializado do ar... Exatamente quando eu mais precisava de oxigênio novo. Você, que veio definir minha vida, marcar duas fases diferentes.

Como você mesmo gosta de dizer, minha vida começa agora.




"Quando você menos esperar, vai cair do céu. Você vai ver."


Para alguém apelidada de "Icequeen", tais palavras pareciam, na melhor das hipóteses, absurdas. "Cair do céu"... Isso merecia minha melhor gargalhada, sempre preenchida de descrença e deboche.
Principalmente se o assunto era pessoas. Pessoas não caem do céu como chuva. Pessoas são conquistadas, cativadas, mantidas, libertadas.

Pessoas não aparecem do nada para mudar sua vida.

Mas para a minha sorte, pessoas mudam de ideia... Inclusive eu.
Felizmente, pude compreender que as coincidências existem. Mas não simplesmente por existir... Sempre há um porquê.


Fly, fly to the stars.


As portas dos outros apartamentos batiam raivosas, descontando os empurrões que as rajadas de vento lhes davam. Tocava alguma música calma no home theater, que se confundia com os sons reconfortantes dos carros passando na rodovia. A casa tinha cheiro de bolo recém-assado, haviam trovões iluminando o céu cinzento.

Mas nenhum dos sentidos gritava tanto quando o tato. Tudo o que acontecia ao redor importava menos que o frio trazido pelo vento forte. Então, abriu mais a janela, subiu na cama, fechou os olhos… E voou.

Por um instante, pensou ter pulado. Esperou o choque contra o chão, os gritos de algum voyeur que estivesse se satisfazendo naquele momento. Esperou o trauma, a escuridão. Aguardou aquele sentimento que se tem quando o ser abandona sua vida, as lágrimas ao redor de seu inerte e modesto corpo. Mas nada disso veio. O chão não chegou, e muito menos o fim. Então se deu conta que seus pés ainda tocavam o colchão, e que o voo, na verdade, era só o vento que passava veloz agitando seus cabelos.

Fazia frio, pela primeira vez em muito tempo. Estranho, frio no verão.

E por alguma razão, havia ali uma lágrima, insistente, ousada. Corria mansa e destemida junto ao nariz, e parecia aquecer o corpo inteiro. Ela era um sinal de descontrole, desequilíbrio.
Havia alguma coisa errada, mas o quê? Talvez tudo estivesse errado, ela sabia.
As lágrimas foram sucessivas, encorajadas por aquela desbravadora, que parecia ter sumido há tanto tempo.
Percebeu que não tinha forças para compreendê-las. Ou melhor, não tinha forças nem para secá-las.
Deixou-se cair no colchão atrás de si, descomposta, exausta.
“Voar cansa”, pensou. “Mas não há melhor maneira de chegar ao topo, quando não se consegue usar as pernas.”

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Gyn.

Fazia um calor descomunal, como já era de costume. O sol brilhava em um céu azul, límpido e majestoso. O ar mantinha aquele cheiro de cidade que ela aprendera a amar. O ônibus atrasara os rotineiros 15 minutos, e percorreu o mesmo caminho de sempre.

Todas as coisas estavam perfeitamente normais...
Contudo, algo estava diferente.

Apesar de manter as mesmas rugas no mesmo rosto impassível, a cidade parecia olhá-la de um modo diferente. A garota podia ver, no âmago de sua coletividade, que aquele lugar tinha algo a lhe dizer.
Reparou em cada calçada, cada janela. Observou as árvores, os postes, as pessoas. Mas nada parecia ter a coragem suficiente para dizer o que estava acontecendo.
Durante todo o trajeto, sentiu seu coração apertar. Sua respiração tornou-se densa, quase um aglomerado de suspiros.

E então, sentiu saudade. Como um filho, que se despoja de seu lar para ganhar a vida... Como uma semente, que deixa os galhos reconfortantes da árvore progenitora para iniciar seu próprio ciclo.

Quando seus olhos mal podiam ver, de tão marejados, viu um carro, com a placa de outro lugar. Aquele lugar. Só então percebeu...

Sua cidade estava apenas se despedindo.