quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

E então, a mão que segurava o lápis parou a alguns centímetros do papel. Ali estava, esperando que o cérebro desse o comando. Mas, naquele momento, o cérebro não conseguia se decidir sobre o que fazer.

...

“Você consegue visualizar agora tudo como uma brincadeira de criança?”
“Para mim, nunca foi uma brincadeira. E nunca será.”

Tudo ia muito bem. Ia ganhar alta da terapia, seguia feliz com a vida , que ia finalmente seguindo nos trilhos. Mas então, um dia dirigindo pela cidade, veio aquele cheiro.

Instantaneamente, chega o asco. O medo. A culpa. A desesperança. Aquela sensação que não tem nome, algo parecido com o que você sente quando está em uma montanha russa, e parte do seu corpo fica lá em cima, enquanto outra parte desce repentinamente. Mas sem a adrenalina, sem a diversão.

“Mas é normal que isso aconteça nessa idade. A diferença é que você não queria.”

E de repente, eu me sentia a pior pessoa do mundo. Eu era a pior pessoa do mundo.

“Você era uma criança, e o medo paralisa até os adultos, imagine o que acontece com uma criança.”


Racionalmente, nada faz sentido. Eu estou segura no meu carro, acabei de ser elogiada no trabalho. Estou me preparando para ser voluntária em obras sociais. Ajudei minha mãe com o dever de Inglês. Por que eu sou a pior pessoa do mundo? Por que eu tenho nojo de mim mesma?

“Olhe para essa cena, como a criança que você foi. Fique aí por um momento, e veja o que sente.”

Eu me sinto podre por dentro.

“Como você se sente agora, vendo pelos olhos da adulta que você é hoje?”

Eu sinto raiva. Eu me sinto indignada. Eu sinto remorso. Eu sinto nojo. Eu sinto culpa.

“Você sempre foi uma criança responsável, e de alguma forma, você foi responsabilizada por isso.”

Por isso, e por tudo. É tudo culpa minha. Sempre eu, a pessoa errada no lugar errado fazendo coisas erradas. Mesmo sendo uma criança.


“Como você se sente agora?”

“Eu não sei. Aliviada por finalmente contar para alguém, eu acho.”

“Olha só, você ainda vai levar um tempo para processar isso. Você nunca vai esquecer o que houve, mas o importante é não sentir essas coisas por você mesma.”


...


12 horas depois, e eu sinto como se alguém tivesse aberto meu crânio e revirado todo o conteúdo, procurando algo escondido.

Eu sinto muitas coisas. Eu não sinto nada.

É como se tivesse um corpo na sala ao lado do meu quarto. Está ali. Morto. Mas está.

Eu tento todas as estratégias que normalmente uso para me reorganizar. A mais agressiva é o lápis no papel. Mas meu cérebro foi revirado, não consegue dar o comando.