quinta-feira, 30 de junho de 2011

Still.

Sim,  eu sei o que disse. Falei que retomei as rédeas, que apertei a sela, que calcei as esporas. Não menti, eu realmente estou de volta na direção desse veículo, com a bússola consertada.

Mas não há como esquecer. É como diz aquele texto do Gabito: "É fácil seguir em frente pra quem não tem razões pra olhar pra trás, pra quem não tem visão periférica ou mesmo o costume de olhar os lados alheios."

Você ainda está presente em mim, em muito de mim. Você está naquele blues incrível e melancólico que permanece nos meus ouvidos, mesmo que eu insista em ouvir uma, duas, três discografias inteiras. Está naquele CD com uma vaca na capa, cujas músicas estão agora passando no meu player. Você está naquele livro que me recomendou, que eu peguei emprestado e já devolvi, mas não consigo esquecer de cada detalhe da capa, nem daquela parte que arrepiou minha pele, que me deu o nó na garganta.
Você está no meu guarda roupa - na minha blusa de frio, na minha camisa xadrez, na minha blusa dos Beatles, no meu tênis com cadarços de coração, no short largo que mostra meu joelho valgo, hiperestendido, rodado internamente, e extremamente feio.
Você está no chocolate com essência de laranja ali em cima da cama, está no leite com achocolatado que eu tomei de manhã, está na Club Social de Nachos que a Fernanda fretou para mim, está no purê de batatas que eu fiz no almoço. 
Você está no Kendall e no Magee que repousam abertos sobre minha cama, rodeados por folhas de chamex rabiscadas com uma letra bem feia. Você está nos jalecos que eu coloquei para lavar, junto com minha calça branca - é melhor preparar tudo por precaução, vai que eles insistem com as roupas brancas.
Você está no boddy splash com cheiro de flor de maçã que eu passo todos os dias depois do banho. Está no vento que bate gelado na minha pele, sem me fazer sentir frio, me lembrando do dia em que eu te vi pela primeira vez. Está nos frangos que o Rogério Ceni toma, nas notícias sobre futebol inglês e volei brasileiro que passaram na hora do almoço.
Está comigo antes que eu vá dormir, e depois que eu realmente adormeço. Dia ou outro, você invade meu sono REM, fazendo com que os sonhos pareçam reais, possíveis, diferentes daqueles que eu sonho acordada todos os dias.
Eu leio um texto, vejo um vídeo, uma foto ou uma tirinha, um videoclipe. E imagino você rindo disso. 'Eu sabia que você ia gostar, lembrei de você na hora que vi. A propósito, li um artigo esses dias para trás, queria que você desse uma olhada.'
Eu vejo seu nome relacionado com quase tudo do meu cotidiano. Nas novas cordas do Rorsharck, na franja que insiste em cutucar meu olho esquerdo, no meu tema de monografia, na liga acadêmica, no meu pó compacto quebrado que eu consertei com álcool e paciência.

Eu vejo você sim, nunca neguei isso. Mas agora, vejo de uma forma diferente. Menos melancólica, menos pessimista. E não quero deixar de te ver, porque essa seria a condição para crescer e continuar sozinha. Eu sei que te disse que queria voar com minhas próprias asas, mas é que eu preciso de um trem de pouso, de alguém para sinalizar a pista lá embaixo, de um paraquedas, caso as coisas não funcionem como deveriam.
Você não vai ser meu co-piloto, daria muito trabalho para ambos. Mas você sabe como é, uma mulher prevenida vale por duas.

Acho que seria demais pedir para você nunca me decepcionar. Seria pedir para você tentar fazer o impossível -  e eu sei que você tentaria. Mas uma coisa você pode fazer, sem muito esforço: esteja aqui, em algum lugar do meu hipocampo. 
Fique aqui, até que o Alzheimer chegue com o tempo, e te mande embora. Mas aí, eu já terei ido embora com você.

Mãe, eu preciso saber.

Mãe, eu preciso saber. Preciso crer que tenho sorte. Preciso provar que sou mais homem do que me ensinaram a ser. E se nada for do jeito que imagino, guarde um sonho fresquinho pra mim ou pelo menos aquela bendita força que você sempre mostrou. Pretendo usá-la para nunca dar meu braço a torcer.


Trecho do texto “Tudo que meu pai não soube ser” - Gabito Nunes

domingo, 12 de junho de 2011

Oh, I will.


“I said, Papa someday I’m gonna write a symphony
48-piece band all dressed up like me
I said, I’ll write someday the satyrs of old songs
I’m gonna chill the marrow in their bones
But as long as I can’t get Into Carnegie Hall
I keep writing songs, that are all my own
Very simple and dumb, like I always have done.
If you like them, yeah!
But if you don’t, too bad…
‘Cause it’s all I have.”



Little Joy - How to hang a Warhol

Sutil.

Uma frase sincera, sem más intenções. Essa foi minha kriptonita, que eu pendurei em meu pescoço, e mantive por meses.

Ah, um sério engano.

Foi como a faca da história de Pullman. Encontrou um ponto instável, e sutilmente, abriu uma fenda, que depois de tornou uma janela entre dois mundos distintos. Janela que eu não consegui fechar. Talvez eu não quis, ou não soube - não importa agora. Ela já está fechada, e espero que não se abra novamente.
(Sei que alguém não ficará feliz com isso. Vários alguéns, para ser sincera.)

Acho que agora eu sei de onde saiu o impulso de autodefenestração.
Seremos só eu e a Fisioterapia daqui em diante, por tempo indeterminado. Está na hora de desenvolver a inteligência interpessoal.

Espero que ninguém tenha deixado outra janela aberta, não quero mais os espectros no meu mundo.

terça-feira, 7 de junho de 2011

.

Tá, eu sei. Não precisa falar pela 56ª vez.
Eu sei disso tudo.

O caminho é longo, árduo. Os números são muitos, os cálculos complicados. o risco é grande, o medo é maior ainda.
E tem a morte. Sempre presente, todos os dias até.


Mas vocês não entendem? É isso que eu quero. Quero virar em um plantão de 24 por 48 horas. quero enxugar o suor da testa depois de tantas manobras. Quero sentir meus braços fadigando. quero me atualizar em cursos a cada 6 meses. Quero reclamar do meu salário, sempre buscando mais. Quero ter que explicar para o paciente, quero ter que encarar a família.
Quero consolar a perda, quero enxugar as lágrimas, quero ouvir o lamento final dos acamados terminais.
Quero chegar em casa com dores, cansada, estressada talvez. Quero não ter tempo. Quero viver de jaleco e luvas esterilizadas.
Quero ouvir os BIPs dos monitores cardíacos o dia todo.

Quero salvar muitas vidas em um dia, quero salvar uma vida muitas vezes.


Sabe quando um simples aumento da PaO2 faz seus olhos se encherem de água?
Sabe quando uma SatO2 sobe de 71% para 90% e te faz suspirar aliviado?

Não?

Não, vocês não entendem. Ninguém nunca vai entender. Mas por favor, já que vocês não vão conseguir compreender, só aceitem. Não contestem.

Você já amou alguma vez?

Você já descobriu o sentido da vida?
Eu já. Eu descobri o sentido da minha. E isso devia bastar. Para todos.





sexta-feira, 3 de junho de 2011

"Não,

-Não, eu não estou com frio.

- Mas olha o vento, olha só a temperatura que o termômetro está ...

- Eu já te expliquei que eu sou diferente. Meu frio é diferente.

- Mas... Então, quando você sente frio?

- Você já leu "A Margarida Friorenta"?

- Já.

- Pois é.





"Porque tudo o que eu preciso, tudo agora e pra sempre, me espera atrás dessa porta."




Por favor, me diz que é verdade, me faz acreditar que não será como as outras ilusões.