segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Hello darkness, my old friend, I've come to talk with you again.

"Querem ouvir uma piada? Eu sei uma, e vou lhes contar agora.







'Numa dessas cidadezinhas do interior, havia um homem que sentia um enorme vazio no coração. Decidiu ir ao médico, o único da cidade.
– Doutor, eu estou me sentindo muito mal, não sei o que tenho.
O médico examinou aquele homem de olhar vago, curvado, cuja voz mal saía da boca. Viu seus olhos, sua língua, verificou sua respiração, fez algumas perguntas e finalmente chegou à conclusão:
– O que o senhor tem é uma tristeza bem profunda. Muitos já passaram por isso: é uma desesperança com a vida, Uma vaga depressão, uma visão de que não há perspectivas, mas não é difícil de curar.
– E qual é a cura, doutor, eu não aguento mais essa dor!
– Faça o seguinte: amanhã à noite chegará o circo e lá estará o palhaço Pagliacci, o palhaço mais engraçado que eu conheço. Vá ao circo e assista à apresentação desse palhaço. Tenho certeza que no final do espetáculo você se sentirá bem melhor.
Nesse momento, o homem caiu em prantos:
– Mas Doutor, creio que não será possível curar-me assim.
- Por quê?
- Porque eu sou o palhaço Pagliacci.'


Fim da piada, todos riem, fecham-se as cortinas.
Isso não é  para ser engraçado. Mas a vida é uma grande piada, que não faz sentido.
Só faz sentido, quando você é o Comediante."



(Citação: Watchmen - O filme. Post escrito ao som de "The Sound Of Silence" - Simon and Garfunkel.)

domingo, 28 de novembro de 2010

Contos Reais, Surreais e Irreais: "This guy is'nt in love with you"

Ainda havia nele muito dela. Lembranças, esperanças, desejos, sorrisos, palavras.
Ele sabia que não a esqueceria facilmente. Ela habitava com frequência seus sonhos e seu pensamento, fazendo-o se sentir mal por semanas inteiras. Ela arrancava dele muitas lágrimas, arrancava a vontade de sorrir, de falar, de viver e de conviver. Ele não podia evitar. Metade dele queria que isso acabasse, a outra metade continuava frequentando o sofrimento de hora em hora, voluntariamente.
Mas quem mais sofria com isso não era Artur.




Flávia via aquilo tudo com um misto de rancor e compaixão. Como poderia, um homem como Artur sofrer daquela maneira? 
"Ela não o merece", pensava Flávia sempre que presenciava a via crucis do amigo. E ela sempre presenciava isso. Todos os dias, todas as horas do dia. Era demais para Flávia, perceber que alguém tão querido tinha problemas, e não poder fazer nada.


Se comunicava com Artur por cartas, telefonemas e internet. Havia um bom tempo que não se viam pessoalmente - mais precisamente um ano -  desde que Flávia se mudou para São Paulo. Ela sentia falta de sorrir com Artur, de comer doce de leite com pão de queijo, de cantar no karaokê, de sentir seu abraço protetor. Sentia que ele precisava dela neste momento, mas não podia fazer muita coisa.


Então, finalmente, suas provas terminaram, os professores resolveram não fazer chamada mais. Férias, enfim.
E qual foi o primeiro pensamento de Flávia? Voltar para Goiânia. Cantar denovo no karaokê, comer pão de queijo com doce de leite. 
E foi o que ela fez. Comprou a passagem, ligou para os primos pedindo hospedagem, aprontou as malas, e rumou para o aeroporto.
Lá chegando, viu exatamente o que queria... Mas perdeu o fôlego, quando reparou no que estava ao redor. Ali estava Artur, com a menina que tanto o fazia sofrer. 


No transcorrer dos dias, Artur se decepcionou mais uma vez. Não cabe aqui contar o porquê.
Ainda que aliviada, Flávia sentia Artur distante, melancólico. Cada dia mais, e mais, e mais. 
O cinema não tinha mais emoção, o karaokê rodava apenas músicas tristes, o pão de queijo com doce não tinha mais gosto. Mas ainda restava uma coisa...
[...]


- Artur, me abraça.
- Por quê?
- Só me abraça.


E ali ficaram, abraçados. Era, sem dúvida, algo belo de ver - uma noite clara, cheia de estrelas, em uma praça perto da casa aonde Flávia estava.
Naquela noite mesmo, ela tomou uma decisão. 


Artur acordou no dia seguinte, sentindo-se péssimo, como de costume. Foi até a cozinha, e sua mãe lhe entregou um papel, fechado em um origami de gaivota. Na asa, estava escrito "Artur: Abra".


- Quem te deu isso, mãe?
- Apareceu hoje, no chão, por debaixo da nossa porta. Acho que colocaram antes que eu acordasse.


Artur foi até seu quarto, sentou-se na cama, e abriu o origami. Lembrou-se, com dificuldade, que só quem desenhava o P daquela forma, era Flávia. 


Um pouco trêmula e modificada, a letra da amiga dizia:


" Partirei hoje. Foi 'bom' revê-lo. "






Flávia decidiu escolher, das duas feridas, aquela que menos doía. Preferia sentir saudades de Artur ao vê-lo assim. O auto-falante chamou seu voo, e ela foi relutante para a sala de embarque. Mas enquanto chegavam sua documentação, passavam o detector de metais e despachavam suas malas, ela se pôs a pensar:


"Por que eu sinto uma dor tão forte sob meu esterno? Por que eu não consigo parar de me lembrar da chegada no aeroporto? Por que, eu estou indo embora tão chateada? POR QUE, POR QUE RAIOS EU ESTOU CHORANDO?"


E quando chegou no pátio, em frente à escada do avião, se deu conta de todas as respostas... Que, na verdade, se resumiam em 3 palavras.


Fez questão de ser a última da fila. Subia vagarosamente as escadas, como se esperasse que alguém a impedisse de embarcar. No último degrau, olhou para o aeroporto. Era, sem dúvida, uma arquitetura que agradava sua visão. Seus olhos, então, cairam sobre a imensa janela do segundo andar do aeroporto.  




E sentiu sua garganta se enrolar em um nó, e suas vísceras querendo sair de seu corpo. 
Lá estava ele.


Reconheceu  seu corpo baixo, levemente forte, seu cabelo escuro e seus olhos grandes e brilhantes. Reconheceu seus braços longos apoiados no encosto que ficava perto daquela parede, aonde Flávia já havia se apoiado muitas vezes.


Não pode ver que feição sua face expressava. Mas ele, certamente, não sorria, e nem acenava.








(Post escrito ao som de: "This guy's in love with you"  Burt Bacharach, interpretada por Noel Gallagher; "Mr. Writer" - Stereophonics; "Fake Plastic Trees" - Radiohead.)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ha. Ha.







É engraçado ler isso sob o nome dela.
Adoro ironias.






"Desfila sua vida cor-de-rosa, e eu caso com o Diabo...


Você não me conhece."













(Post escrito ao som de Você não me conhece - Jay Vaquer)
Eu não consigo entender....



Finalmente consegui o que queria, o que precisava....
Ouvi aquilo que sonhava há anos...
E não estou feliz. Muito pelo contrário, estou infeliz.

É como estar no topo do mundo, e ter esquecido alguém querido lá embaixo.








Se é assim, prefiro estar lá embaixo. Ao menos, terei motivos para me sentir assim.




É estranho, quando depois de 3 meses se sentindo um nada, você de repente fica bem, e alguém diz que seu olhar está triste. Só então se preocupam com você. Só então veem que você é alguém, que apesar de calcular cada passo, está passível aos sentimentos humanos. Só então veem que você precisou de ajuda, e que passou da hora de dar. 
Mas agora, você não precisa. Entretanto, sabe que precisará em breve, mas o que é pior: sabe que não terá, quando precisar.



Então, eu tive o que eu precisava, mas na hora errada.




(Post escrito ao som de Comfortably Numb - Pink Floyd)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

I've been locked inside your heart-shaped box for weeks.

Havia algo querendo sair, há muito tempo.
Provavelmente, aquilo que eu escondia no mais íntimo do meu subconsicente.
Se aquilo saísse, eu entraria em colapso total. Eu sentia isso.




Mas eu precisei de ver tudo, para me recuperar antes que a cicatriz chegasse à sua maturação. Eu não podia me sentir eufórica novamente, sem antes encarar os fatos reais e inevitáveis... ou a euforia duraria menos de 5 dias. 
E se é isso que eu preciso, é isso que farei.






Faz sentido agora.






Eu sempre acho que as pessoas me odeiam. Todas, em algum momento.
Odiar nem tanto, mas seria algo perto disso.
Sempre estou desajeitada, sempre inconveniente, sempre falando a coisa errada, na hora errada.
Nunca com opiniões ou comentários válidos.
Presença eternamente dispensável.




Bem ou mal-humorada, sempre pensei (e pensarei) assim.
É como se eu fosse mais uma na multidão. Aquela que levou a mochila no ônibus, aquela em quem alguém tropeçou na rua e depois pediu desculpas (ou não), aquela que ajudou a pegar algo que caiu no chão, aquela que segurou a porta do elevador até você chegar, aquela que parou na faixa de pedestres para você atravessar.


Everybody hates me. É como eu me sinto todos os dias, na melhor das hipóteses.
Como se eu estivesse atrapalhando.




"Não pense isso, você faz falta, você é importante, bla bla bla wiskas sachê, mi mi mi..."
Isso não me satisfaz. Palavras de consolo vazio não me servem de nada, sequer de placebo. Atitudes não irão mudar o que sinto, simplesmente porque o problema está dentro de mim.




Todos me odeiam, porque eu me odeio. E eu me odeio, porque sou odiável.


E cada vez mais, percebo que não há solução para os meus problemas...Porque eu sou um deles.


Eu não podia aceitar isso. Sempre transferia a responsabilidade para os outros. Nunca reconhecia a real origem dos erros. E mesmo que isso me fragilize agora, deve ser feito.






E sim, está tudo bem, obrigada por perguntar.




(Post escrito ao som de Heart-shapped Box - Nirvana.)

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Sinergismo.




Era disso que eu precisava.
Tinha saudades desse contraste, e demorei para perceber que eram os elementos que faltavam dentro de mim.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Trying.

Suddenly I found that I'd lost my way in the city
The streets and the thousand of colours all bleed into one
I fall down, heaven won't help me
I call out, no one would hear
All of a sudden I've lost my way out of the city


Stand tall
Stand proud
Every beginning is breaking its promise
I'm having trouble just finding some soul in this town


The names on the faces in places they mean nothing to me
It's all they can do to be part of the queue in this town
I fall down, heaven won't help me
I call out, no one will hear
There'll be no tomorrow they say, well i say more's the pity


Stand tall
Stand proud
Every beginning has broken its promise
I'm having trouble just finding my soul in this town


Stand tall
Stand proud
Every beginning is broken its promise
I'm having trouble just finding my soul in this town


Finding my soul in this town
But I'll keep on trying...
Trying...




(Música: Part of the Queue - Oasis;  Tradução: http://letras.terra.com.br/oasis/156066/traducao.html)
Havia uma criança no elevador.


Bonita, mas fisicamente desajustada, por sua doença.
Amada, protegida, controlada, bem-cuidada.




Ela olhou profundamente nos meus olhos, segurou meu punho com força, e parecia querer me perguntar algo...
E eu, com a minha séria ignorância, não soube interpretar.
Brinquei com ela, conversei, cativei.






Duvido que ela suspeite, que mesmo sem saber meu nome, me deu forças para continuar seguindo o único caminho disponível no momento.


E a partir de agora, Rafa, você estará sempre dentro da caixa das coisas que têm valor para mim.

domingo, 24 de outubro de 2010

Primeira pessoa.

Eu olhei para aquela foto.




E até mesmo ali, dentro daquele círculo, me vi fora, como se não devesse estar ali, como se chegasse de gaiato.


Vi os 5 sorrisos felizes, com frio e cheios de sono.
E vi meu sorriso, brando, como se não fosse sorriso. E não era um sorriso.
Não estava com frio, nem com sono, e muito menos feliz.
Vi meu olhar inexpressivo, meu rosto vazio.
Me vi vazia.




Os sorrisos me seguraram muitas vezes, me derrubaram outras tantas.


Mas aquilo me intrigava: eu não sorria.




Eu não sorria.


Mas essa foto, apesar de tudo, e por causa de tudo, é meu papel de parede.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

=D

E quando você menos espera, a felicidade pode vir vestida de azul com estampa de estrela.






Finalmente, pude dizer, com plena segurança, e da forma mais sincera e próxima da realidade:






"So what do you say?
You can't give me the dreams that are mine anyway
You're half the world away,
Half the world away,
Half the world away,
I've been lost, I've been found, but I don't feel down...


No, I don't feel down..."










Me faltam palavras, e dessa vez, ninguém as disse por mim.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"Semanas altamente pessimistas tem sido muito nocivas,  eu passo a acordar com a pior das expectativas em quase tudo que está por vir, e não é nada muito “lógico”, fico do jeito ‘normal’, mas passo a não acreditar muito no futuro e isso por si só já é terrível.

Quando tenho momentos assim, meus elos ficam frágeis demais, quase todos, praticamente. Sentimentos ruins se afloram com facilidade demais, e alguns que são bons na dose certa, excedem a cota facilmente. Tenho minhas fugas, mas em certos momentos, elas só me trazem pra raiz do problema invisível. Acho que no fim das contas passa, mas fica pra registro enquanto ela ainda se mantém...

Abandonar coisas, não ter fé em mais nada, irritar-se com imensa facilidade, não enxergar coisas boas...acho melhor sair dessa condição, ou vou acabar ficando mais louco..."





(Texto retirado do blog cassioanty.blogspot.com.
Por que às vezes, quando você sente um nó na garganta, não há nada o que falar. A sorte, é quando alguém fala por você.)

Porque tudo o que sobe, desce.

Hello darkness, my old friend,
I've come to talk with you again,
Because a vision softly creeping,
Left its seeds while I was sleeping,
And the vision that was planted in my brain
Still remains
Within the sound of silence.


In restless dreams I walked alone
Narrow streets of cobblestone,
'Neath the halo of a street lamp,
I turned my collar to the cold and damp
When my eyes were stabbed by the flash of a neon light
That split the night
And touched the sound of silence...









Em outras palavras:

Olá escuridão, minha velha amiga,
Eu vim para conversar contigo novamente
Por causa de uma visão que se aproxima suavemente, que deixou suas sementes enquanto eu estava dormindo
E a visão que foi plantada em meu cérebro ainda permanece entre o som do silêncio

Em sonhos agitados eu caminho só, em ruas estreitas de paralelepípedos, sob a auréola de uma lamparina de rua
Virei meu colarinho para proteger do frio e umidade, quando meus olhos foram apunhalados pelo lampejo de uma luz de néon, que rachou a noite,
E tocou no som do silêncio...



(Música: The sound of silence - Simon and Garfunkel)



quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sensorial.

E ali ela estava novamente.
Dia comum e produtivo, que enfim estava chegando ao fim.


     Se sentou no chão, como de costume naquele lugar, e esperou.
Esperar... estava tão acostumada àquela situação, que decidiu fazer daquela uma oportunidade para evoluir.


     E como toda reação começa com um estímulo sensorial, hoje era o dia de sentir. 






     O primeiro estímulo que veio foi o auditivo. Ela ouvia, prestava atenção. Era como se estivesse em uma caverna fechada, em dia de chuva. E havia muitos predadores lá dentro... leões, tigres, javalis, dinossauros. Feras insandecidas, rugindo e roncando alto. O barulho ensurdecedor ressoava alto, assustando aqueles que não estavam acostumados. As feras pareciam estar dentro do seu corpo, pareciam querer tomar parte dela, fazendo com que ela vibrasse de acordo com o ritmo das ondas mecânicas que deles saíam.


     Sentia o cheiro de feras cansadas, que trabalharam em suas funções o dia todo. Não era um cheiro agradável, mas ele a fez lembrar dos esforços que fez durante o dia, e dos esforços que fazia todos os dias. E por incrível que pareça, aquele cheiro horrível de fumaça e borracha queimada finalmente serviu para algo bom... E ela se sentiu recompensada, gratificada.

     Sentia dor, sentia aquele lugar comprimindo-a aos poucos. E sentia o contato das pessoas que também esperavam. Sentia o peso dos livros em seu colo, sentiu o ar quente e viciado passando por seu pescoço. Sentiu seu corpo sobre a calçada semi-limpa, sentiu o lugar. era como se ele impregnasse em sua pele, como se não saísse, mesmo debaixo da água morna que a esperava em casa. Mas ele realmente não sairia... ficaria ali, como lembrança das experiências que teve, e que ainda teria. "Muita água rola debaixo dessa ponte, antes que você consiga o que quer", disse o Pedro. Ele tinha razão, mas provavelmente não sabia o que ela sentia no momento.


     Sentia-se tonta, desequilibrada, como se cada parte do seu corpo estivesse fora do lugar. Era um sentimento comum, mas que precisava ser abolido com urgência. E quem diria que aquele lugar escuro, mal feito e desagradável iria ajudá-la, quem diria que aquelas feras poderiam mudar seu alinhamento físico e mental... Talvez um dia.


     Assim, ela ativou seus olhos. E as via, avançando no asfalto como se não houvesse nada mais empolgante que a liberdade de se mover. Não, não havia naquele momento...
Feras grandes, imponentes, ora bonitas, ora deprimentes. Em suas testas piscavam luzes verdes e alaranjadas, rotulando o nome e o destino de cada um dos predadores. É, embora livres para se mover, eles não tinham escolha... iriam sempre parar no mesmo lugar, indiscutivelmente.
Era a rotina deles, mas era uma rotina diferente a cada dia, assim como a dela.




     Era uma caverna escura, cheia de pessoas apressadas, estressadas, cansadas e reclamantes. Duvidou que alguém estivesse vendo o lugar como ela via agora. E viu com carinho aquele lugar tenebroso, feio e triste. 




     Sentiu pena das feras. Elas não tinham escolha, mas ela tinha. Não as odiava pelo mal que faziam, considerou o bem que elas faziam para muitas pessoas. Elas lhes davam o direito de ir e vir, embora que truncado. As feras davam a ela a sensação de liberdade, ainda que presa e dependente. Mostravam, todos os dias, as coisas belas (e também as feias) de uma parte da cidade; mas era só de uma parte da cidade. As feras a engoliam com carinho, esperavam pacientemente todas as pessoas serem engolidas, e levavam-as aonde queriam ir.


     O que ganhariam em troca? Um pouco de energia. E quando a vida das feras chegasse ao fim, elas se tornariam outras feras, outros itens. E era o mesmo que ela faria, quando seu tempo se esgotasse... 
E pensou nas pessoas que esgotaram seu tempo. Será que alguém conseguiu ponderar da maneira que ela fazia agora? 
Feras insandecidas e incompreendidas. Se identificou, por um longo momento. Mas havia uma diferença: As feras não tinham escolha, viviam vagamente, com um objetivo imutável. Ela não.


     Compreendeu as feras, no momento em que a sua chegou. De tanto esperá-la todos esses dias, aprendeu que o ronronar dela era diferente das outras. Parecia o tom de uma mãe brava, mas carinhosa. E a fera caminhava em sua direção, magistralmente, parando em sua frente, como fazia todos os dias. Deixou que se sentasse em um de seus colos, e então, rumou ao seu destino inquestionável, levando-a em uma carona paga. 
Parecia suave em seu caminhar, aliviada por finalmente ser compreendida.




Então, ela, assim como a fera, sentiu-se bem, sabendo que não veria novamente aquele lugar. Não da mesma forma que via antes.






A espera, pela primeira vez, resultou em algo produtivo.  Ela tinha começado a reagir.





(Post Escrito ao som de: Sout it out loud - Oasis)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Chuva.

"Your will changes everyday
It's a choice you gotta make
I can't help you if I want to..."





O Ar parecia ensaboado naquela tarde. O som da sua tosse parecia ecoar no apartamento vazio. Ele parecia ainda maior, e mais vazio agora.
Lá fora, o céu escoava aos poucos, com pequenas gotas de uma chuva fina e fria. O gosto do omelete ainda estava em sua boca, teve preguiça de substituí-lo pelo sabor de menta.

Teve preguiça, teve pesar.
E ela, então, se arrependeu de tudo. Se arrependeu por se arrepender. Sentiu um aperto no coração, que a muito não sentia.

Teve preguiça, teve pesar, teve saudade.
Saudade de quem havia saído há pouco, saudade de quem havia ficado na véspera. Saudade de quem não via a dois dias, saudade de quem iria ver dai a pouco. Saudade de quem nunca viu, mas sabe que verá um dia. Saudade de quem só latia saudades de quem só nadava. Saudade de andar de carro para buscar pizza  ao som de Red Hot, saudade dos LP's que tocavam durante a limpeza da cozinha. Saudade de trocar figurinhas no recreio, saudade de ler os contos do filho. Saudade de receber ligações chateadas dos pais, por passar da hora de atravessar o quarteirão. Saudade das pamonhas de jiló, do cheiro de roseiras floridas. Saudade dos conselhos da mestre de trigonometria, das datas do quadro de física. Saudade de gostar, e esperar reciprocidade. Saudade do cheiro de protetor solar com areia, saudade do vento salgado que soprava quando ela se levantava. Saudade de falar horas ao telefone, de escrever cartas carinhosas aos amigos. Saudade do colo que se deitava sempre que tinha febre. Saudade de tomar leite com chocolate na época do natal, deitada de pijama no sofá, conversando com quem estava na sala.  Saudade de sorrir sem medo de não sorrir novamente.

Teve saudades também do que nunca foi, do que nunca viveu.

E o tempo passava devagar, mas parecia correr.


"It's a breeze everlasting like time
Making so sure that
I can return just to see it from your side again..."



Teve preguiça, teve pesar, teve saudades, teve medo.

Não sabia descrever o medo, ele parecia um quarto escuro com a porta trancada. Não sabia o que havia lá dentro, mas sabia o que não havia. Lá, certamente, não estava tudo aquilo que ela sentiu saudade, não estava os sorrisos sem medo. Mas ele, de repente, mudou sua aparência.

Antes, era um medo aterrorizante, algo que a cegava e a fazia perder sua razão. Mas agora...
Parecia um medo ensaboado. Parecia o medo que se sente de perder os pais, mas não era só isso. Era o medo de perder os pais, com o medo de se perder no meio da multidão. 
Parecia com o medo que se sente quando se perde dos pais na multidão.


"It's a sea ever churning in tides
In the sureness of time
And our words just repeat now forever again..."


Parecia que iria cair novamente, que iria ver o quarto branco novamente. 
E reviu toda a cena.... Todas as cenas.
Entrando no avião. Sentada no carpete bege. Sentada no banco azul. Sentada na sala desconhecida. Descendo da bicicleta. Descendo a arquibancada. Perguntando aonde eles iriam. Dando comida. Carregando a caixa branca e ornamentada. Ouvindo os trovões. Olhando para o berço. Segurando a mão trêmula ao lado dentro da viatura. Caminhando sozinha.

Caminhando sozinha, foi quando sentiu mais medo. Porque é o que mais acontece com ela... Caminhar sozinha.


"Well this might take a while to figure out now
So don't you rush it
And hold your head up high right through the doubt now
'Cause it's just a matter of time..."



Teve preguiça, teve pesar, teve saudade, teve medo, teve solidão.

Uma das pessoas mais importantes para ela disse algo sem pensar. Foi uma opinião sincera, um sentimento honesto. Não foi com intenção de magoar, não foi com intenção alguma. Mas foi como um balde de gelo inesperado virando sobre sua cabeça. Viu que sua vida toda, caminhou sozinha na maior parte do tempo. Viu que poderia ser assim sempre, e que isso não iria afetá-la. Ela não deixaria.



"You've been running so fast
It's the seven day mile
Has you torn in-between here and running away
Running away...."



Mas um telefonema a acordou, e devolveu a cor ao dia cinzento.


Era sua sobrinha, lembrando a ela que sempre há uma surpresa boa detrás das portas fechadas.
Voltou a sorrir sem medo, sem querer pensar se faria isso novamente.